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terça-feira, 6 de março de 2012

A cagada


A cagada
Por: Fabio da Silva Barbosa

Ele enchia as mãos na vasilha repleta de comprimidos levando alguns a boca, sem desviar os olhos da televisão, enquanto sua esposa folheava uma espécie de álbum com diversos medicamentos de tarjas coloridas. Se demorava um pouco mais nos de tarja preta. Eu tomava uma cerveja, enquanto pensava em parar de beber, e fumava um cigarro, enquanto pensava em parar de fumar. Achei que era hora de dizer alguma coisa e perguntei se não tinha problema tomar comprimidos como se fossem jujubas. Ele desviou os olhos da tv lentamente e me encarou com um olhar vazio.
- Isso aqui não é brincadeira. Tomo porque minha médica receitou. Não se pode dar mole com isso. É coisa séria.
- Mas, ela sabe que você passa o dia inteiro tomando isso e que mistura com álcool.
Pensei estar sendo impertinente, mas ele sorriu dizendo que lembrei de algo importante. Ao vê-lo se dirigindo para a cozinha, pensei que ia pegar o álcool de acender a churrasqueira que sempre estava por ali para dar umas goladas, mas ele voltou com uma garrafa de Whisky.
Nesse momento, uma das crianças (algumas eram filhas e filhos dela, outras dele e algumas apareciam por ali como por encanto) estacou a nossa frente com olhos cansados.
- Tô com fome...
Ele cutucou a esposa que, desgrudando os olhos das páginas de seu álbum, disse alguma coisa que não consegui entender. A menina, já habituada com esse dialeto, parece ter entendido. Foi até o quarto e sentou na cama onde já haviam crianças dormindo. A essa altura, a mãe tinha voltado a analisar as páginas do álbum.
Inclinei-me um pouco para o lado para soltar um peido, mas, para minha surpresa, senti um quilo de merda enchendo minha cueca. Permaneci de lado, preocupado com o sofá. Olhei em volta, mas parecia que ninguém tinha percebido. Tudo continuava como antes. Ela olhando as páginas e ele fixado na televisão, revezando entre a bebida e os comprimidos. Me inclinei para frente, apoiando o copo sobre a mesa. O movimento me fez perceber que a cueca estava mais cheia do que imaginava e provavelmente já tinha deixado passar seu recheio para a calça. Voltei rapidamente para a posição meio que de lado. Não parava de pensar no sofá. O cheiro estava tomando conta do ambiente e eles pareciam não se dar conta.  Fui assaltado por algumas cólicas. Dei um pulo em direção ao banheiro.
Acabei de esvaziar o intestino e fui lavar a roupa na pia. Tava tudo uma merda só. Foi aí que começou uma barulheira sem fim. Vozes estranhas berravam, crianças choravam e tudo parecia estar quebrando pela casa. Pensei em abrir a porta, quando os tiros me fizeram mudar de idéia. Pulei pela janelinha que dava para o quintal e corri para a rua na madrugada fria. Percorri alguns quarteirões a toda velocidade até dar de cara com o carro da polícia dobrando esquina. Pensei muito rapidamente no que dizer. Não seria boa idéia contar que estava na casa de meus amigos comedores de comprimidos... Não deu tempo de pensar em mais nada. Lembrei que estava completamente nu da cintura para baixo.          
- Para aí, malandro!
Daí por diante, passou tudo muito rápido e fui jogado aqui. Algum vizinho me viu pulando sem roupa para a rua e resolveram que era melhor me guardar aqui até tudo ficar esclarecido. Como estamos completamente a mercê disso que eles chamam de justiça, não me resta outra opção até julgarem que eu possa sair.
- Isso, se eles lembrarem de você. Já era para eu ter saído a mais de uma semana e ainda não me soltaram.
- E você não tentou falar com ninguém?
- Tentei, mas o carcereiro me quebrou duas costelas e disse que se não me aquietasse iria me deixar aqui mais um ano.
- E seu advogado?
- Advogado? Dá para ver que você não conhece como funciona isso aqui. Advogado é para quem tem dinheiro. A gente que conta com defensor público tem de contar com a lembrança dos outros.
- Meu julgamento já foi adiado duas vezes e ninguém vem me visitar.
- Eu já passei por aqui algumas vezes e sei bem como é isso que vocês estão falando.     
- Quem é o cara da cagada?
- Opa... Sou eu.
- O hospital disse que a garotinha que tinha sobrevivido acabou de morrer e até agora você é o único suspeito detido. O delegado mandou avisar que o melhor a fazer é entregar seus camaradas.
- Mas...
- Não precisa falar nada agora. Daqui a pouco Carinhoso vai vir te buscar.  
Pelo visto, a cagada estava apenas começando.

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